Já tentei. Entender os diversos motivos e ao tentar compreender um trecho da minha história, infância, e certamente da existência em meu âmbito familiar não obtive sucesso. Já que sempre foi algo reservado, misterioso, repleto de verdades e omissões. Então, em uma tarde de domingo dentro do seu carro eu fui logo sincero. Tomei a frente e muito homem em dizer que não o amava, e que não havia motivos para que este sentimento de amor pudesse ganhar força.
Em seguida, primeiramente esperei da sua parte alguma reação e para a minha surpresa não surgiu nenhuma iniciativa de mudar, de contar como havia sido a sua história e também a sua trajetória de vida. De contra partida, eu apenas estava ali aguardando um papo franco e direto, um olhar mais desabafado e talvez até uma lágrima, um pedido de perdão pelas falhas, uma respiração mais ofegante, uma promessa que realmente desta vez fosse cumprida. Ficaria até feliz se está promessa fosse à última da vida dele, sei lá, nunca tive intimidade, apego, espaço para poder conhecê-lo direito, saber como eram todos os seus gostos, saber como tinha sido os seus sonhos, ouvir um conselho e não um julgamento, ouvir talvez “esses são os meus filhos e faço tudo por eles…” – mas não.
Não fazemos parte da vida dele, mas carregamos o seu nome em nossas certidões de nascimento, em nossos RG e passaremos anos e anos olhando para os nossos documentos, cultuando sentimento de ódio, desgosto, frustração de nada não ter sido da forma que imaginávamos.
Por um período eu e meu irmão, paramos de se preocupar com esse sentimento paterno, deixamos de lado aquilo que nos incomodava, mas este sentimento chegou a tornar-se como uma pneumonia mal curada, contaminando primeiramente o meu irmão que logo em seguida passou a procurar um antídoto desesperadamente.
Nesta longa busca de ser curado rápido, optou em conviver com ele por alguns anos, cedeu, e aproximou-se para afastar de si próprio aquele sentimento gelado, insensível. Eu, preferi proteger-me, guardar-me em longas noites solitárias, enrolado no meu edredom e mantendo a temperatura do meu corpo instável antes que agravasse e chegasse a ficar internato em algum hospital – mas recordo brevemente de um momento, aquele que fui até o meu irmão compartilhar todo aquele sentimento mútuo que vivíamos.
Já que enxergávamos um homem negro, de estatura média, batalhador, trabalhador inquestionável, cercado de bons amigos, admirado por algumas pessoas e por este motivo, imaginávamos que a vida dele não deveria ter sido um mar de rosas, ou talvez, das mais doces que alguém poderia viver. Porém, ainda não entendíamos como ele não conseguiu ser um pai, ser aquele de verdade que veste a camisa, se preocupa, liga, questiona, luta junto e até sonha o mesmo sonho – não tivemos nada disto e não teremos nem se por um acaso ele chegue a ler está breve mensagem.
Portanto, carrego comigo, sozinho como se fosse a minha doença, a bactéria que corre em minhas veias desde quando eu tinha oito anos, a onde não conseguia imaginar o futuro, mas já sonhava em um dia ver meus pais juntos. Talvez, isto fosse o verdadeiro remédio para a nossa cura e que provavelmente seria algo que tivesse evitado passar noites e noites em claro contando todas as enfermidades que os nossos corações já suportou.
Enfim, carregamos um pecado de muitos outros para toda a vida, morreremos sem afeto paterno, o enterraremos com o sentimento de liberdade antes que sejamos outra vez contaminados por aquilo que tanto não desejamos sentir e depois também morreremos com rancor, mágoa de ver uma rejeição desde o berço – não temos medo, as lágrimas já secaram. Já fomos criados por uma mãe guerreira, por um milagre, e caso seja pecado sentir ódio marque o nosso encontro com Deus e verás que não estamos errados em dizer a verdade.