Olhei para o céu e implorei por paz, justiça e até liberdade, invoquei o santo nome, mas tenho a impressão que desta vez não foi possível ouvir a minha voz. Recordo-me lentamente de minha última lembrança, um sorriso, uma mão pequenina e uma voz doce. Tão suave que me fez fechar os olhos levemente e sentir o alivio que não sentia há muitos anos.
Também percebi que meu corpo estava leve, meu coração não estava mais desesperado, desacelerado, havia algum sentimento de conforto em meio aquela asfalto quente, a multidão cercando o meu corpo e lá no fundo uma voz agonizada pedindo socorro.
Tudo estava passando por mim em câmera lenta, alguém apertava a minha mão e dizia que iria ficar tudo bem, aquela criança ao meu lado lembrava o rosto da minha filha e me olhava com carinho. Não escutava mais o barulho das sirenes, nem sentia o cheiro de pólvora que estava em meu peito, tudo parecia estar sob um controle remansado a onde não existia mais dor e sofrimento.
Uma lágrima cai sob a minha testa, retorno a olhar fixamente para cima e vejo a minha esposa chorando, me abraçando com força. Isso me fez retornar a realidade, ver meu sangue escorrendo, sentir que a minha vida estava perto do fim, sentir saudade e começar a ficar preocupado, pois não iria ver minha filha crescer, não poderia cuidar mais da minha família. Escuto minha esposa dizer que me ama com a voz cortada pelo soluço e as lágrimas em seu rosto, sinto que está chegando a minha hora, começo a sentir saudade e como um flash ver novamente um fulano se aproximando com uma arma em mãos e já descarregando vários tiros sob o meu peito, a única chance que tive de salvar a minha família, a última vez que vi o sorriso da minha família.
A pequenina mão que me toca, acalma-me, pede para não sentir medo e antes de fechar meus olhos vejo apenas uma grande luz sob a sua volta, é um pequeno anjo dizendo… Pelo amor descanse em paz e fique com Deus. (*)
*Meras palavras em homenagem as pessoas inocentes que estão sendo vitimas desta violência em SP.
Resta saber até quando continuaremos a viver esta situação de medo e insegurança. Cadê o poder público, que nos deveria garantir uma vida segura? Para o governador está tudo sob controle, afinal, até então, a família e os amigos dele não estão sendo atingidos.